Por Por Bruna Pinheiro - ojoioeotrigo.com.br
Prevista na Lei 11.946/2009, a garantia de 30% do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) investida na compra direta de produtos da agricultura familiar é outro problema no estado. A política pública caminha muito aquém do que deveria.
Um levantamento conduzido pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), em parceria com outras entidades, mostrou que nos últimos 10 anos somente três das 141 cidades mato-grossenses atingiram os 30% obrigatórios — Mirassol D’Oeste, Nova Mutum e São José dos Quatro Marcos.
“O Pnae é uma conquista de movimentos sociais, que cobraram a inserção da agricultura familiar. Em Mato Grosso, ele nunca evoluiu como deveria e o governo não é cobrado por isso. Os contratos existem, mas as escolas não compram aquele valor e acabam pedindo menos. No último ano antes da pandemia, a média estava em 9,8%, o que é absurdo”, reivindica Leonel Wohlfahrt da FASE-MT.
O Pnae é administrado pela Secretaria de Estado de Educação (Seduc), que transfere os recursos aos Conselhos Deliberativos da Comunidade Escolar (CDCES). As entidades são responsáveis pela compra anual de alimentos por meio de contratos do tipo pregão ou chamada pública, realizados pelas Câmaras de Negócios da Alimentação Escolar de cada município. Porém, de acordo com a secretaria, em várias cidades as chamadas públicas “sagram-se desertas”, pois não há interessados em participar.
Ainda segundo a Seduc, o descumprimento do índice obrigatório de 30% em Mato Grosso tem como fatores a falta de diversidade na produção, além de o volume ser insuficiente para atender à demanda escolar, à sazonalidade e à manutenção do fornecimento no decorrer do ano. A pasta salientou que, nessas circunstâncias, a lei prevê que a compra seja dispensada.
A agricultura familiar representa 68,79% dos estabelecimentos agropecuários de Mato Grosso, mas responde por 9,34% da área ocupada. Investigações do Joio têm exposto a insegurança jurídica em assentamentos da reforma agrária, por onde também avança o plantio de soja, em substituição aos alimentos comercializados localmente, além de atividades ilegais, como a grilagem e o desmatamento.
Entre as principais políticas de incentivo à produção rural está o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), transformado em 2021 no Alimenta Brasil (PAB). Desde 2019 temos documentado no Joio o desmonte do PAA, que chegou a ficar praticamente sem recursos no ano passado.
No início de junho, a Secretaria de Estado de Agricultura Familiar (Seaf) abriu as inscrições do edital do Alimenta Brasil, com um orçamento de R$ 2 milhões. A estimativa é de que existam cerca de 105 mil produtores rurais no estado, ou seja, se distribuído igualmente, o recurso seria inferior a R$ 20 por pessoa. Na outra mão, no ano passado os grandes produtores contaram com quase R$ 390 milhões em recursos do do Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste (FCO), além de financiamento federal e do setor privado.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 1/2022, também chamada de “PEC Kamikaze”, recém-aprovada pelo Congresso Nacional, promete destinar R$ 500 milhões para o Alimenta Brasil. A exemplo de outros programas governamentais, o recurso está garantido apenas para o ano eleitoral: 2023 é um mistério.
Para o secretário-executivo do Fórum Mato-grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento, Herman Oliveira, rede composta por mais de 30 organizações socioambientais no estado, a ausência de políticas públicas não só enfraquece o setor da agricultura familiar e seus segmentos, pela falta de recursos, como causa desigualdade alimentar. Ele frisa que é necessário retomar órgãos como o Ministério do Desenvolvimento Agrário e as próprias secretarias municipais e regionais para viabilizar recursos exclusivamente ao setor.
“A construção dessas políticas tem como objetivo a promoção da dignidade, soberania alimentar e a cadeia de conjunto de valores e saúde ambiental e humana. Isto fortalece a identidade da agricultura familiar e o campo. Faltam recursos e secretarias destinados a isso, com poder e orçamento à altura dos desafios. É preciso também rearticular as organizações que vinham fazendo o trabalho de ajuste, reajuste e orientação com a finalidade de evitar que campesinos deixem suas terras, para que voltem a produzir alimentos.”